O mês de junho, no Brasil, é marcado pelas tradicionais festas juninas. O ano de 2020 está sendo marcado pela pandemia do novo coronavírus.
Quermesses, festas e até mesmo celebrações dos santos contarão ainda com diversas restrições e muita reflexão, nesse momento que vivemos tudo de maneira muito diferente, pessoalmente e de acordo com as regiões.
Vivendo um dia de cada vez
Frei Gilson Nunes, OFM Conv., se protege com sua comunidade franciscana, em Mogi das Cruzes - SP, e continua seu trabalho com a Paróquia São Maximiliano Maria Kolbe, na mesma cidade, e na direção da Milícia da Imaculada (na Província São Francisco de Assis, dos Frades Menores Conventuais) com os outros freis. O religioso destaca a maneira como este momento difícil nos obrigou a olhar de maneira diferente para os calendários e agendas: “Vivemos sempre no passado ou no futuro. Não vemos a hora de chegar o fim da pandemia, o dia de sair de casa. Mas a gente, em geral, não vive o dia. Pensamos no que se fazia antes da quarentena interromper o cotidiano, e pensamos no que vamos fazer depois. Precisamos viver fincados no momento presente”, diz Frei Gilson que, junto com uma equipe protegida, transmite celebrações pela internet.
Sem aviso prévio, recebemos uma espécie de “convite inesperado” para mudar tudo, explica a psicóloga Sheila Roque. “A mudança foi rápida, foi um susto. De repente a gente foi quase que obrigado a repensar nossos relacionamentos, estudos e modos de trabalhar. Com isso veio a insegurança e o medo”, destaca Sheila.
Em Fortaleza - CE, João Paulo Alves se reinventou e continuou a sair na rua para trabalhar na área de atendimento de serviço essencial. O Ceará é um dos estados com maior taxa de letalidade da Covid-19 segundo o Ministério da Saúde. “Morar numa das capitais mais atingidas só desperta mais medo e atenção redobrada aos cuidados para a prevenção. O número de mortes é elevado, o estado também tem feito sua parte e continua fazendo, mas a população precisa aderir mais”, conta.
“Apesar de todas as dificuldades, é um tempo de reflexão, de oração e de graças. A gente está fazendo uma parada para estar conosco, com a nossa família, com aqueles que estão perto de nós”, constata João Paulo.
Padre Hernanni Pereira que vive na capital do Maranhão, a primeira região do Brasil a ter a paralisação total das atividades, no início de maio, não deixou de ter contato com os fiéis. “Mesmo sem tocar as pessoas, podemos tocar os corações”, foi o pensamento que motivou o pároco da Paróquia São Maximiliano Kolbe, em São Luís - MA, a telefonar para seus paroquianos: “Tive a oportunidade de conversar mesmo, perguntar como estão, ouvir o que estão sentindo”.
No domingo de Páscoa, Padre Hernanni passou pelas ruas do bairro de sua paróquia com o Santíssimo Sacramento levando a bênção às famílias.
Luciana Matos vive em São Bernardo do Campo - SP e trabalha na Milícia da Imaculada. Ela divide o cuidado dos filhos, Mariana com 13 anos e Gustavo de 9 anos, com a novidade do trabalho home office, ou seja, realiza suas atividades profissionais em casa. A família está protegida, mas relata que “dói ver nos noticiários tantas famílias sofrendo, tantas pessoas morrendo. Muitas pessoas sofrendo por outros tipos de doença também. Devemos agradecer sempre a Deus pela saúde e pedir proteção sempre. Minha família é solidária com as pessoas que sofrem e, ao final do dia, agradecemos a Deus por estarmos com saúde e poder cumprir as tarefas diárias”.
“Esse período está sendo uma experiência nova para as mães, pois estamos com os filhos por um período mais longo, acompanhando todas as atividades, dia e noite”, constata Luciana. Para estruturar uma rotina saudável, ela organizou as tarefas e os momentos em casa. Todos colaboram nas atividades domésticas, mantém horários de estudo proporcionados pela prefeitura e estado por meio da internet, e tem hora para assistir TV e brincar, claro. “Durante esse período acho que despertou também um pouco da culinária em todos nós. Um dia desses, fui falando a receita para minha filha e ela fez um bolo delicioso”, conta a mãe orgulhosa.
O vírus é um inimigo invisível, circula na rua por meio das secreções daqueles que estão infectados e ninguém vê. Nos noticiários se fala de números e estatísticas, e ele veio também com muitas perguntas para a sociedade e para os indivíduos.
A mudança de mentalidade imposta pela pandemia é um fator relevante para Padre Hernanni Pereira: “O mundo estava buscando deuses e não Deus. A cultura de morte crescia no mundo com o descarte de idosos e os abortos, agora todos se voltam a salvar vidas”.
Sem querer minimizar as dificuldades que são muitas, Frei Gilson considera que a quarentena pode mostrar “que somos impotentes e que temos o insuportável sentimento de só poder aguardar. Não temos o poder de conter o vírus. Estamos num lugar difícil para nossa ilusão de sermos deuses”.
“Sairemos melhores desta situação como pessoas, pois, estamos nos redescobrindo solidários e que não podemos fazer nada sozinhos. É um momento em que o mundo aprendeu que precisamos uns dos outros”, considera João Paulo.
As coisas voltarão ao normal, mas será diferente. O Governo do Distrito Federal, por exemplo, em seu plano para reabertura das escolas prevê adoção de novas medidas de higiene e que os alunos do Ensino Médio, por compreenderem melhor as medidas de segurança, sejam os primeiros a retornar. A manutenção das restrições marcarão o “novo normal” e as diversas fases de abertura, até que tudo volte à normalidade.
Diante do atual cenário, percebemos que “a doença veio para padres e pastores, atores e senadores, pobres e ricos. A pandemia nos lembrou da nossa igualdade e nos colocou diante da realidade da vida”, considera Frei Gilson. “Se não melhorarmos agora, não sei ainda o que o Senhor vai nos permitir passar”, indica Padre Hernanni. “Não tem como não mudar. Estamos vendo tanto sofrimento, tristeza e angústia e devemos voltar o coração ao essencial e agradecer pela vida”, explica.
Estamos todos no mesmo barco. Essa situação nos coloca com os mesmos níveis de preocupação e cuidado. Contudo, segundo a psicóloga Sheila, uma característica da pandemia é que ela atinge as pessoas de forma muito particular. “Quem já tem uma pré-disposição para doença psíquica, deve ter sentido com maior intensidade. Essa situação vai passar, mas o trauma vai permanecer.Leia MaisMaria e a Eucaristia Confiança e açãoA hora certaProclama a palavra
Os sentimentos não podem ser ignorados e devem ser acolhidos para não se transformarem em doenças. Por isso é fundamental procurar ajuda quando surge o sofrimento”, destaca.
Para a retomada gradual do cotidiano, Sheila dá uma dica valiosa: “Evitar o excesso de informações. Buscar fontes confiáveis e se ater a elas. Vamos mesclar com outros assuntos e fugir das fake news, as mentiras, porque existem e são abundantes”.
Indica também não se exceder nos esforços e criar uma rotina saudável com tempo equilibrado para trabalho, família e lazer.
Desemprego, falecimentos, doença, isolamento, não são poucas as dificuldades em São Paulo, que é o epicentro da doença no Brasil e vê o avanço do novo coronavírus em direção ao interior. Este fato colocará em destaque regiões que aderiram melhor aos cuidados e outras que deram menos atenção à proteção necessária e que não possuem adequadas estruturas médicas. Tanto o isolamento quanto a reabertura podem ser traumáticos para muitas pessoas e devem nos levar à reflexão.
Seremos melhores, mas nada é automático no ser humano. “As lições são particulares. O ideal é que todos tivessem um olhar diferente para as pessoas. Muitos não vão se lembrar da pandemia no fim do ano, mas outros não esquecerão nunca.
Há diversas lições para se melhorar como pessoa e sair do egoísmo. Teve gente que aprendeu, por exemplo, a olhar a lua. Espero que continue”, deseja Sheila.
Os católicos acompanharam as celebrações da tradicional Semana Santa pelos meios de comunicação e, mesmo em estados como Goiás, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, em que as celebrações públicas foram retomadas no fim de abril, os cuidados são muitos e os idosos são desaconselhados a participar. “O regresso será gradual e cada vez com uma consciência de que a Eucaristia não é chegar atrasado na Missa e ir embora antes da bênção. Eucaristia é missão, é sujar as mãos, é anúncio. Espero que nossas comunidades se despertem para sair das estruturas e ir em direção às periferias existenciais”, deseja Padre Hernanni.
“Seria muito bom que nesse momento as pessoas olhassem um pouco mais para dentro de si e fizessem uma auto-avaliação para que, conforme isso for passando, possamos sentir mais empatia, mais solidariedade, mais amor no coração e menos orgulho”, espera Luciana.
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