Reportagem

Série "Arte do Encontro" - CF 2024 - Pastoral da Criança

Pedagoga da Pastoral da Criança afirma; As famílias precisam buscar seus direitos, mas também é importante contar com uma rede de apoio comunitária.

Escrito por Cibele Battistini

20 FEV 2024 - 00H00 (Atualizada em 20 FEV 2024 - 05H19)

1 - Priscila, Como e onde atua a Pastoral da Criança fundada e coordenada pela CNBB?

A Pastoral da Criança, como organismo de ação social da CNBB, alicerça sua atuação na organização da comunidade e na capacitação de líderes voluntários que ali vivem e assumem a tarefa de orientar e acompanhar as famílias vizinhas em ações básicas de saúde, educação, nutrição e cidadania tendo como objetivo o "desenvolvimento integral das crianças, promovendo, em função delas, também suas famílias e comunidades, sem distinção de raça, cor, profissão, nacionalidade, sexo, credo religioso ou político.

A inspiração bíblica da missão da Pastoral da Criança é também uma frase que a Dra. Zilda sempre repetia: “eu vim para que todas as crianças tenham vida e vida em abundância”, Jo 10, 10.

A Pastoral da Criança atua em todo o Brasil e também está presente em outros 11 países da América Latina, África e Ásia: Guiné-Bissau, Haiti, Peru, Filipinas, Moçambique, Bolívia, República Dominicana, Guatemala, Benin, Colômbia e Venezuela.

Para enfrentar o desafio de salvar a vida dos pequeninos e contribuir na criação de um ambiente favorável para o seu desenvolvimento, é realizado o acompanhamento mensal de gestantes e crianças até completarem seis anos de idade. Seu trabalho, como Jesus fez, é para com os mais necessitados. Procura atuar, principalmente, perto das famílias mais pobres, que enfrentam maiores dificuldades por viver em condições muito difíceis. A família é a principal promotora do desenvolvimento de suas crianças e a primeira e mais influente educadora. É através das relações com seus pais e com todos da família que a criança começa a sentir-se membro de um grupo e se torna capaz de aprender e de compreender o mundo. Por isso, está diretamente com as famílias e comunidade, disseminando orientações de qualidade sobre o cuidado com as crianças e seus direitos, é a missão da Pastoral da Criança.

Além da visita domiciliar, a Pastoral da Criança realiza mensalmente um momento de encontro na comunidade chamado de Celebração da Vida em que as famílias se reúnem para celebrar as gestantes e crianças que estão bem e para se ajudar quando estão em dificuldades. É um momento de fortalecer o sentimento de família, que torne possível unir as pessoas para “viverem em comum”, que é o sentido de comunidade. Nele são estreitados os laços de fraternidade entre gestantes e seus companheiros, mães, pais, familiares e é valorizada a responsabilidade de uns pelos outros. Todos se juntam na busca de mudanças na melhoria da qualidade de vida das famílias e, portanto, na das crianças e gestantes. E a cada três meses é realizado o acompanhamento nutricional, em que a equipe responsável pesa e mede as crianças e insere os esses dados no aplicativo da Pastoral da Criança+gestante que de imediato fornece orientações nutricionais específicas para a família.

A Pastoral da Criança também atua de forma permanente e ativa no Controle Social das Políticas Públicas, em todos os níveis da federação, e promove campanhas de mobilização, de realização própria e em parcerias.

2 - Sabemos quais são, mas vale a pena relembrar e comentar. Quais são os direitos de uma criança?

As crianças são sujeitas de direitos e todos nós devemos respeitá-las e garantir seus direitos para desenvolverem todo o seu potencial. Como expresso na Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Marco Legal da Primeira Infância, Convenção Sobre os direitos da Criança.

Toda criança tem direito de ser amada, ouvida, respeitada e protegida de qualquer tipo de violência e catástrofes, por sua família, sociedade e governos. Direito a ter um nome, de ser registrada, direito da alimentação saudável, água potável, saneamento básico, moradia digna, ao esporte, cultura e lazer, de brincar, de serviços médicos adequados, direito à educação de qualidade. Direito a ter pleno desenvolvimento físico, intelectual, mental, social e espiritual.

As crianças com diferenças no funcionamento de seu organismo devem receber o tratamento, a educação e os cuidados especiais que requeira o seu caso particular. Todas as crianças têm o direito à vivência familiar e comunitária, sem distinção.

3 - Qual a realidade socioeconômica da criança brasileira hoje? Estatisticamente qual é a estima de crianças privadas dos seus direitos?


Em 2020, o Brasil enfrentou rupturas socioeconômicas de proporções históricas. O início da pandemia da COVID-19 quebrou vários recordes indesejáveis ​​no Brasil. Entre eles o desemprego e a insegurança alimentar. Além dos problemas de saúde causados pela pandemia, se enfrenta dois grandes desafios: a fome e a má nutrição. De acordo com "O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)", que foi publicado em 2023 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), houve uma piora dos indicadores de fome e insegurança alimentar no Brasil. Segundo o relatório, em 2022, 70,3 milhões de pessoas estavam em estado de insegurança alimentar moderada, que é quando possuem dificuldade para se alimentar, levando a reduzir a qualidade e/ou a quantidade de alimentos consumidos. O levantamento também apontou que, em 2022, 21,1 milhões de pessoas no país estavam em insegurança alimentar grave, caracterizadas por estado de fome. Em relação às crianças, a situação é alarmante, como aponta o II VIGISAN Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. A insegurança alimentar grave praticamente dobrou em domicílios com moradores de até 10 anos entre 2020 e 2021/2022, de 9,4% para 18,1%.

No Brasil, estima-se que cerca de 32 milhões de meninos e meninas vivem na pobreza, em suas múltiplas dimensões: saúde, nutrição, renda, educação, trabalho infantil, moradia, saneamento básico e informação. É o que indica a pesquisa do UNICEF "As Múltiplas Dimensões da Pobreza Na Infância e Adolescência no Brasil", lançada em fevereiro de 2023. O estudo apresenta dados até 2019 (trabalho infantil), até 2020 (moradia, água, saneamento e informação), até 2021 (renda, incluindo renda para alimentação) e dados até 2022 (educação).

3 - A Pastoral da Criança tem condições de intervir individualmente onde existe uma situação de forte dificuldade?

Sim, individualmente com as suas ações mais específicas, como o acompanhamento às gestantes e crianças de zero a seis anos, através das visitas domiciliares, celebração da vida e reuniões de reflexão e avaliação. Mas todas essas ações têm seus desdobramentos a partir das necessidades sentidas das famílias em suas comunidades. Como o objetivo da Pastoral da Criança é que todas as pessoas sejam agentes de sua própria transformação, faz se necessário uma ação coletiva para concretizar esse objetivo. Assim, além das ações voltadas para a garantia dos direitos, através da participação nos conselhos das políticas públicas, é necessário que as famílias contem com uma rede de apoio nas comunidades.

No texto-base da Campanha da Fraternidade, ao sugerir ações para alargar o espaço da nossa tenda comunitário-eclesial ( nº 129), nos intima a “investir esforços para que os espaços comunitários de comunhão e participação…em que cada um colabora como pode e renuncia a algo para acolher o que outro oferece - promove a aprendizagem de fraternidade e da amizade social; a estabelecer e/fortalecer parcerias com o governo e a sociedade civil na promoção e direitos humanos para todos; dentre outros.

4 - Pastoral da Criança e escola pública: Existe já um projeto conjunto de atuação ou projeto modelo onde as forças se unem para um único ideal, ou seja, o bem estar de crianças e famílias em dificuldade?

Sim. Quando crianças acessam a escola logo na primeira infância, aumentam-se as chances de desenvolvimento integral, com impacto decisivo tanto nas etapas seguintes da educação escolar quanto na profissionalização, acesso à informação, a cultura, a diversidade, sendo também um caminho para combater desigualdades educacionais e sociais.

No caso da educação, fazemos parcerias com as secretarias de educação, creches e pré escolas, focando então nos primeiros 6 anos de vida, fase que sabemos ser um período onde parte importante de nosso potencial humano é construído, e a educação infantil tem papel essencial para que as crianças tenham um convívio social, além do núcleo familiar.

5 - Um apelo às mães que nos lêem ou nos escutam e que se encontram em dificuldade para oferecer o necessário aos próprios filhos, desde a alimentação à educação, o que fazer?

Infelizmente a desigualdade social que ainda é presente em nossa sociedade, é um mal que afeta muitas áreas da sociedade.

As barreiras ao acesso à saúde, educação, serviço social, a alimentação de qualidade, infelizmente persistem e elas afetam principalmente as camadas mais vulneráveis da população, as privando de seus direitos básicos fundamentais. A falta do acesso à esses direitos, pode resultar a curto e longo prazo na desnutrição, até mesmo no sobrepeso e obesidade, resultando em doenças crônicas e mortes evitáveis, também em atraso na aprendizagem, abandono escolar, trabalho infantil, abuso, violência, entre outros, trazendo sérios prejuízos à formação das nossas crianças.

As famílias precisam buscar seus direitos, mas também é importante contar com uma rede de apoio comunitária.

Todos nós, como sociedade, temos o dever e compromisso de garantir a todas as crianças, sem distinção, o acesso a todos os seus direitos para que se desenvolva integralmente, e a responsabilidade é de todos nós, famílias, vizinhos, profissionais do setor público e privado, líderes religiosos, governantes. Precisamos conhecer os direitos das crianças e adolescentes e unir forças para promover o controle social, ou seja, buscar em conjunto soluções para que esses direitos não sejam violados. Por exemplo, falta médico na unidade de saúde para as crianças, o que podemos fazer? O pai, a mãe, os vizinhos podem conversar na unidade para buscar uma solução, podem ir a secretaria municipal de saúde passar a situação para uma solução.Todos nós podemos e temos o direito de participar dos conselhos locais e municipais de saúde, educação, segurança alimentar e nutricional entre outros, para que as políticas públicas em favor de nossas crianças e famílias sejam atendidos e respeitados.

No Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) já diz que: cuidar da infância é dever de todos! Logo afirma que, além da família, todos somos responsáveis pelo desenvolvimento, bem estar e proteção de todas as crianças.

Respondido por:

Priscila do Rocio Costa - Pedagoga e Assessora da Pastoral da Criança na área de Desenvolvimento Infantil

Maria das Graças Silva Gervásio - Assistente Social da Pastoral da Criança e da comissão executiva junto a Comissão Sociotransformadora da CNBB



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