Por Felipe Rosa
O trajeto rumo à Basílica de Nossa Senhora de Aparecida foi inspirado no milenar percurso à Catedral de Santiago. O principal trecho do caminho brasileiro foi inaugurado em 2013 na cidade de Águas da Prata - SP, mas seu traçado vem sendo constantemente alterado visando agregar novas cidades. Seguindo sempre as setas amarelas, o peregrino passa por montanha, asfalto, bosque, trilhas e estradas vicinais que proporcionam momentos de reflexão e fé, superação de limites e integração do homem com a natureza.
O trajeto que percorro, em meu quarto ano, parte de Gonçalves, uma pequena cidade de 4 mil habitantes, localizada no sul de Minas Gerais e distante 110 quilômetros de Aparecida. Há mais de 40 anos, grupos de peregrinos, aqui chamados de romeiros, partem dessa charmosa cidadezinha mineira e caminham por três dias.
Em meio ao frio da madrugada de um sábado de julho, nossa aventura, composta por 100 romeiros, começou na igrejinha de São Benedito, às 2h da manhã, para ouvir as singelas palavras do pároco, rezar o Terço e, claro, pedir a proteção de Nossa Senhora para nos guiar e iluminar por todo o caminho.
Nas mãos, cajados que nos ajudam a suportar o cansaço. Nos pés de muitos, apenas um chinelo de borracha. Nossas mochilas e mantimentos vão dentro de um carro de apoio que nos acompanha durante o percurso e também nos fornece água e alimentos.
Apesar das caminhadas em grupos, propício para a conversa descontraída, nesses dias da jornada, busco, na maior parte do tempo, o silêncio e a introspecção. Quando o sol começa a soltar seus primeiros raios por detrás das montanhas, podemos ver uma névoa entre as colinas, as cadeias montanhosas se iluminando aos poucos e as silhuetas das árvores ganhando cores. O sentimento é de gratidão.
Nossa caminhada se estende até a cidade de São Bento do Sapucaí, já no estado de São Paulo, onde paramos para almoçar por volta das 10h. Comida simples, porém muito saborosa e essencial para restaurar as energias até a parada do final do dia.
Cada romeiro faz o percurso no seu tempo. Ninguém precisa obedecer um horário estabelecido, pois é importante que cada um faça de acordo com suas limitações.
Depois do almoço, seguimos viagem debaixo de um sol quente que faz com que a gente perca um pouco os sentidos, mas seguimos cientes de estar sendo bem guiados por nossa Mãe. Nesse momento, saímos da rodovia e começamos a caminhar por trilhas em chão de terra, ainda mais em contato com a natureza tão bela.
Nossa parada final do dia é em Santo Antônio do Pinhal - SP, no alto da Serra da Mantiqueira, onde dormimos no ginásio poliesportivo da cidade. Ali pode-se tomar um banho, jantar, rezar o Terço e é preciso dormir cedo, porque, no outro dia, tem muito mais.
No dia seguinte, acordamos novamente às 2h da manhã. Tomamos nosso café, rezamos o Terço e começamos mais um dia de caminhada. É mágico ver a natureza acordando mais uma vez, com as nuances de céu que vai do rosa ao azul, e estando no topo da montanha, ver as cidadezinhas lá embaixo.
Como no dia anterior, paramos cedo para almoçar, agora no distrito de Bom Sucesso, distante 16 quilômetros da Paróquia de São João Evangelista, na cidade de Pindamonhangaba - SP, onde banhamos, comemos e dormimos nas dependências da paróquia.
O último dia vem com muitas expectativas: faltam apenas 25 quilômetros! Os romeiros acordam no mesmo horário que os outros dias e, juntos, seguem rumo à parte final da aventura. Por volta das 10h, alcançamos a cidade de Aparecida, onde chegamos a um hotel para tomar um banho merecido e nos preparar para o grande momento. Todos os romeiros recebem camisetas personalizadas, almoçam e caminham rumo aos portões de entrada da Basílica.
Às 12h da segunda-feira, todos os 100 romeiros e seus familiares entram juntos, louvando e rezando. Nada, nada se compara à emoção e à alegria de todos aqueles guerreiros peregrinos pisarem juntos naquele lugar sagrado, repleto do amor da Mãe, que nos abençoou e nos acompanhou durante todo o percurso.
Toda dor, todos os calos nas mãos e pés, e o cansaço se vão ao nos encontrarmos com Ela. Nós finalizamos nossa peregrinação participando da Missa das 16h. Após, cada romeiro se despede e segue rumo à sua casa, com a fé renovada e levando consigo as grandes experiências vividas.
Participar dessa jornada é um momento de paz, autoconhecimento e devoção a Nossa Senhora Aparecida. A romaria, para mim, nada mais é que a síntese da nossa própria vida: passamos por momentos felizes, de emoção e de tormenta, que exigem paciência, força, sabedoria e muita fé para superar os desafios do dia a dia.
Boleto
Reportar erro!
Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:
Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.