As críticas sobre a comercialização desenfreada neste tempo são muitas e com razão; o Natal para muitas pessoas perdeu o sentido; o menino Jesus ficou esquecido entre os presentes e enfeites; o natal do Senhor esvaziou-se do seu significado e foi transformado em ocasião de consumo e de sentimentalismo melancólico com algumas boas ações, quase sempre sem raízes profundas. As críticas têm razão e são necessárias para despertar nosso coração para o verdadeiro valor do que estamos para celebrar: é a proximidade de Deus que, de grande e imenso em sua glória, se fez pequeno e infinito em sua bondade.
O Natal do Senhor é a festa da fraternidade de todos os homens. São incontáveis as iniciativas de solidariedade, sinais do grande dom que Deus fez pela humanidade com a encarnação do Verbo, reflexos daquela noite santa em que o próprio Deus se fez para nós um presente.
O Natal guarda sua poesia e eleva o coração da humanidade para a luz que ilumina todas as trevas do mundo. Todos os anos seus símbolos reacendem no coração humano a esperança, a alegria e a solidariedade. Nós não estamos abandonados na solidão absurda sem sentido, a luz desponta para iluminar nosso caminho. Deus não está mais separado de nós pela sua transcendência intocável, agora Ele veio até nós, é Deus Conosco.
O nascimento de Jesus em Belém não é uma peça teatral encenada uma vez por ano com alguns personagens que poderiam representar situações cotidianas vividas pela humanidade. Agora Deus é um de nós, “na pobreza de uma criança que nasceu num estábulo, ignorada pela grande sociedade. A impotência de uma criança se tornou a onipotência de Deus que não emprega outro poder senão a força silenciosa da verdade e do amor” (cf. Ratzinger, Dogma e Anúncio).
“Nasceu hoje para vós um salvador que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11), esta fórmula, colocada na boca dos anjos por Lucas, era como os romanos recebiam o anúncio do Imperador. O nascimento de Jesus é diferente, ele não nasceu no palácio, mas numa gruta; ele não dispõe de nenhum instrumento para a transformação do mundo: dinheiro, armas, domínio, alianças com poderosos, apenas o despojamento. O sinal que os anjos deram aos pastores para a identificação do salvador, “encontrareis um recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura” (Lc 2,12) não extrapola a realidade, o menino Jesus é normal, igual aos outros meninos.
O evangelista Lucas enriquece sua narração com vários elementos, mas ao descrever o nascimento de Jesus não se deixa levar pelo entusiasmo e aponta o “menino deitado na manjedoura, envolto em faixas”. Deus escolheu a pobreza e a fraqueza, contradizendo a lógica da força e do poder.
O nascimento do Menino Jesus em Belém é anunciado primeiramente aos pastores, no meio da noite. Esses pastores, considerados homens impuros, sem autorização para entrar no templo e rezar com os outros, não eram aceitos como testemunhas nos tribunais; eram tidos como desonestos, falsos, ladrões e violentos. O evangelho afirma que naquela noite santa o presente especial era entregue primeiramente a eles. “Um anjo do Senhor se apresentou diante deles, a glória do Senhor os envolveu de luz e eles ficaram tomados de grande temor. ‘Não tenhais medo, pois eis que eu venho anunciar-vos uma Boa Nova que será de uma grande alegria para todo o povo: Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um salvador que é o Cristo Senhor’” (cf. Lc 2,9-11). As pessoas que acompanharam Jesus ao longo de sua vida pública, o evangelho faz questão de colocá-las ao lado de Jesus na manjedoura.
O Papa Leão Magno foi o grande pregador do significado teológico do nascimento de Jesus. Escreveu vários sermões sobre o natal do Senhor.
“Hoje, amados filhos, nasceu o nosso Salvador, alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida, uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade. Ninguém está excluído da participação nesta felicidade. A causa da alegria é comum a todos, porque nosso Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio libertar a todos. Exulte o justo porque se aproxima da vitória; rejubile o pecador, porque é chamado à vida (...).
Amados filhos, demos graças a Deus Pai, por seu Filho, no Espírito Santo; pois, na sua imensa misericórdia com que nos amou, compadeceu-se de nós e, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, Ele nos deu a vida com Cristo (Ef 2,5) para que fôssemos nele uma nova criação, nova obra de suas mãos.
(...) Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade e, já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição (...). Recorda-te que foste arrancado do poder das trevas e levado para a luz e o reino de Deus” (cf. Patrística latina).
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