Lendo o Evangelho

Acolher a Palavra de Deus

“Eles têm Moisés e os profetas; que os escutem!”

Frei Aloísio, Ministro Provincial

Escrito por Frei Aloísio Oliveira

25 SET 2022 - 00H00

Arquivo MI

Esta passagem aborda diversos temas como compaixão pelos pobres, juízo final, retribuição dos justos sofredores, vida após a morte e outros. Contudo, parece que o enfoque principal é a escuta da Palavra de Deus como condição para despertar a fé e a conversão, um tema muito caro a Lucas. Pois o homem rico, no auge de seus tormentos após a morte, pede a Abraão que mande Lázaro advertir a seus cinco irmãos que se convertam para não terminarem, também eles, naquele lugar terrível.

A resposta de Abraão é: “Eles têm Moisés e os profetas; que os escutem!” (Lc 16,29). Porém, o rico continua a insistir: “Não, pai Abraão, mas se alguém dentre os mortos for procurá-los, eles se converterão” (Lc 16,30). Abraão, porém, respondeu: “Se não escutam nem a Moisés nem aos profetas, mesmo que alguém ressuscite dos mortos não acreditarão” (Lc 16,31). 




Ora, a expressão “Moisés e Profetas” é uma antiga maneira de dizer “Sagradas Escrituras”, “Bíblia”, “Palavra de Deus”. Portanto, escutar Moisés e os profetas significa escutar a Palavra de Deus. Com isto, o evangelho quer dizer que a fé nasce da escuta da Palavra, não de visões extraordinárias. Com efeito, quando Lázaro foi ressuscitado dos mortos, em vez de se converterem, alguns judeus queriam matá-lo novamente (cf. Jo 12,10). Quando o próprio Jesus ressuscitou dos mortos, os discípulos, inicialmente, não acreditaram e pensavam estar vendo um fantasma. Somente quando seus corações foram aquecidos pela escuta da Palavra, seus olhos se abriram e puderam reconhecer o Cristo Ressuscitado (cf. Lc 24,31-32). Dessa forma, o evangelista São Lucas quer dizer que a comunidade cristã e cada cristão estão diante do mesmo desafio das pessoas de fé de todos os tempos: “escutar a Palavra de Deus e acolhê-la na própria vida”.

Reparemos que, nesse trecho do evangelho, o rico chama Abraão de pai. Mas ser filho de Abraão não é simplesmente pertencer a um povo. Abraão é definido, na Bíblia, como exemplo de fé. Ele ouviu a Palavra de Deus e “acreditou” (cf. Gn 12,1-4), isto é, quando Deus lhe disse: “Sai da tua terra e vai para a terra que te vou mostrar” (Gn 12,1), Abraão ouviu a Palavra e “partiu” (cf. Gn 12,4). Assim, desde aquele momento, sua vida se tornou um desdobramento da Palavra de Deus escutada.

Ser filho de Abrão, portanto, é ser filho da fé obediente, ou seja, é viver como quem escuta a Palavra de Deus e acolhe a repercussão dela na própria vida. É isso que faz a diferença, aquece o coração para torná-lo capaz de ver o extraordinário escondido nas coisas simples da vida diária, em geral, invisível aos olhos (cf. Lc 24,32).

A fé cristã, portanto, não é simplesmente admitir a existência de Deus. São Tiago afirma que tal fé não é grande coisa, pois até os demônios a têm e tremem diante de Deus (cf. Tg 2,19). Fé cristã é acolhida da Palavra do Evangelho, que resulta na configuração com Jesus Cristo, a tal ponto que, como diz São Paulo, já nem somos nós a viver, mas o próprio Cristo em nós (cf. Gl 2,20). Essa fé os demônios não têm, pois se a tivessem não seriam demônios.

É, portanto, a fé que surge da escuta do evangelho que nos torna misericordiosos como o Cristo, bons samaritanos sensíveis aos sofrimentos dos necessitados, capazes de discernir o verdadeiro valor dos bens terrenos e usá-los adequadamente para o verdadeiro bem nosso e dos outros. Para o evangelho, não há dúvida: nossa vida será decidida pela palavra a que dermos ouvido, e o momento de escutar a Palavra de Deus é agora. Se a escutarmos plenamente, nossa vida vai repercutir a de Cristo que nos recordou que, “o homem não vive somente de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (cf. Mt 4,4; Dt 8,3).

Fonte: O Mílite

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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