Lendo o Evangelho

A necessidade da doação

“Que farei?”

Frei Aloísio, Ministro Provincial

Escrito por Frei Aloísio Oliveira

18 SET 2022 - 00H00

Esta parábola desconcerta um pouco leitores e comentaristas. Embora pareça obscura, é muito clara. Um administrador, acusado de avidez excessiva, na iminência de um acerto de contas com o patrão em que lhe seria tirada a administração, encontra outro tipo de relacionamento: a doação. Esta astúcia do administrador infiel nos revela a verdadeira sabedoria que falta aos filhos da luz e ilustra o tema da misericórdia tão caro a Lucas: a quem perdoa será perdoado; a quem dá será dado (cf. 6,37-38).

Na vida de cada um de nós, está se dando um juízo inexorável, que culminará com a morte, como o grande momento em que nos veremos face a face com Deus, na nossa verdade nua e crua. O momento do “presta conta da tua administração, pois já não poderás administrar” vai chegar.

A consciência disso, longe de nos atemorizar, deve levar-nos, como ilustra a parábola, a uma responsabilidade criativa que nos faça viver o momento presente como o momento da conversão, o pouco no qual temos de ser fiéis, pois o muito se vive todo no mínimo, o futuro todo no agora. É o que faz o administrador da parábola ao perguntar-se: “Que farei?”.

Esta pergunta é muito importante porque marca o momento divisor de águas na vida dele, estabelecendo a distinção clara entre o antes e o depois. Pois a esta pergunta, segue a resposta: “Já sei o que vou fazer”, e, imediatamente, ele toma a atitude de perdoar parcialmente as dívidas dos que deviam ao seu patrão.

Choca-nos o fato de o patrão ter elogiado o administrador por seu comportamento desonesto. Não conseguimos compreender como se pode apresentar, como exemplo, uma pessoa tão inescrupulosa, que está sendo demitida por justa causa, porque se apropriou dos bens de seu senhor, e, por fim, cumulou a medida de sua patifaria, dando do que não é seu, prejudicando, mais uma vez, seu senhor. Leia MaisDeus sabe tudo de nósPe. Maurício da Silva Jardim é ordenado bispo na Catedral de Porto AlegreInfinitamente em processo de criaçãoInadimplência no cartão sobe entre os mais pobres

É que, ao doar, ele inverteu a lógica. Converteu-se. Antes ele se apropriava do que era de seu Senhor para si mesmo, por isso desperdiçava: “quem não recolhe comigo, dissipa” (Mt 12,30). Agora ele doa o que é do senhor aos outros. Mas e daí? Não continua sendo desonesto, dando do que não é seu? É que o senhor da parábola é Deus, o único dono de tudo, a ele pertence “a terra e tudo o que ela contém” (Sl 24[23],1). Aqui na terra somos simples administradores.

Nada é nosso e tudo recebemos de sua gratuidade: “o que tens que não hajas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias como se não tivesses recebido?” (1Cor 4,7). Mas o nosso eu, na sua voracidade, traga tudo para dentro de si, aprisionando o dom que, por natureza, é fonte.

O administrador foi, portanto, elogiado porque se converteu, passou da apropriação à doação. É certo que doou do que não é seu, fez caridade com chapéu alheio; mas, na vida, estamos sempre administrando o que não é nosso. Ninguém poderá conservar para sempre suas posses (cf. Sl 49[48],17-20), nem mesmo talentos, habilidades e virtudes.

Diante disso só é possível tomar duas atitudes: a apropriação, que é desperdício, ou a doação, que é a verdadeira posse. Pois, Aquele a quem tudo pertence (Sl 24[23],1) é essencialmente doação: Ele nos doou o próprio Filho, em quem nos deu todas as coisas (cf. Rm 8,32). Portanto, viver nesse espírito de doação é o pouco que podemos fazer, é o sermos fiéis nos bens alheios como condição para que nos seja dado o muito “que é nosso”: a nossa própria identidade de filhos do Pai da Gratuidade.

Por isso urge lembrar: não podemos servir a Deus e ao dinheiro, porque Deus significa: gratuidade, doação plena até o extremo dom de si mesmo; por sua vez, o dinheiro significa: acúmulo, apropriação, centrar tudo em si mesmo. É a encruzilhada na qual nos encontramos: ou servimos a Deus-Gratuidade na doação, ou ao dinheiro iníquo em sua apropriação iníqua. Os dois caminhos são inconciliáveis. O que faremos?

Fonte: O Mílite

Escrito por:
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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