Padres Antônio S. Bogaz e Rodinei C. Thomazella e Professor João H. Hansen Orionitas
Desde os primórdios da Igreja cristã, a Palavra Divina é o referencial de nossa espiritualidade. Sua presença está na tradição de nossas doutrinas e ensinamentos. Todos os nossos preceitos se fundamentam nas Sagradas Escrituras. As normas morais e éticas encontram seus alicerces nos ensinamentos de Cristo e dos Apóstolos. Todos os ministérios da nossa vida eclesial estão nos versículos bíblicos e, sobretudo, a vida litúrgica tem nas palavras divinas sua fonte e sua elevação mais preciosa.
Por certo, a Palavra Divina, que é um complexo de textos escritos por tantos autores inspirados em diferentes períodos da história, exige compreensão, pesquisa e exegese para descobrir o verdadeiro sentido da mensagem de Deus. Sem isso, caímos em fundamentalismos ou, como ocorre tantas vezes, pegamos apenas textos que nos interessam, para legitimar nossos propósitos. É o que o Documento de Puebla nos alerta: o perigo da instrumentalização da Palavra de Deus.
A liturgia se nutre da Palavra de Deus. O Concílio Vaticano II pede que todos os rituais contemplem a Palavra. Portanto, mesmo as bênçãos e outros rituais devocionais devem integrar textos bíblicos.
Os discípulos de Jesus pregavam a mensagem que receberam. A linguagem oral, logo nas primeiras décadas, foram transcritas em pergaminhos. Os textos (evangelhos, cartas e histórias) foram colocados em pergaminhos ou papiros na segunda metade do século I. Desde então, todos os seguidores do Nazareno tinham como referencial as Escrituras.
Os primeiros padres da Igreja foram compondo os rituais e, para celebrar cada um dos sacramentos, buscavam inspiração nos Testamentos. E os ritos, sobretudo a Ceia Eucarística, tornaram-se espaço privilegiado para conhecer Deus e sua revelação. Foi o longo processo de Evangelização.
A partir do século III, mas, principalmente no século IV, os pastores da Igreja e os teólogos foram definindo o Ano Litúrgico e, cotidianamente, demarcando as leituras para cada celebração, de modo a contemplar todos os livros da Bíblia e os ensinamentos de Jesus Cristo. A Bíblia é o livro da vida litúrgica da Igreja. Surgem os sacramentários, para ordenar a vida celebrativa da Igreja, os antifonários, para momentos especiais da liturgia e os lecionários. Estes servem para dar consistência e continuidade à leitura orante da Palavra de Deus. Assim, temos leituras bíblicas para todos os rituais sacramentais, para os rituais devocionais (bênçãos, consagrações e piedades), para a Liturgia das Horas e para a espiritualidade particular.
Para garantir a perfeita ortodoxia, a Igreja cristalizou, nos séculos posteriores, a distribuição dos textos bíblicos durante o Ano Litúrgico. Ainda mais, por medo das heresias crescentes na Idade Média, evitou-se que o povo simples tomasse pessoalmente nas mãos as Sagradas Escrituras. Lamentavelmente, gerou na tradição católica o afastamento da Palavra de Deus.
Com o Concílio Vaticano II, houve um grande retorno às origens do cristianismo. Os fiéis são convidados a recuperar a mensagem bíblica.
Pela Dei Verbum (Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina, de 1965), que coloca a Palavra de Deus como fonte de inspiração cristã, entendemos que a Palavra Divina é componente fundamental da vida litúrgica cristã. Podemos mesmo afirmar que a Sagrada Escritura é elemento constitutivo dos rituais cristãos. Não pode haver celebração sem a Palavra de Deus. Ela tem função devocional, pois ouvimos a Palavra, com a convicção que Cristo está nos comunicando sua mensagem e sua pessoa. Tem também função evangelizadora, pois o conteúdo da Palavra forma nossa consciência e eleva nossa espiritualidade.
Depois do Concílio, os Pastores da Igreja no Brasil perceberam que o distanciamento secular do povo e da Palavra deveria ser superado. Nosso povo perdera o hábito de abrir o livro sagrado. Nossa espiritualidade laical era formada por inúmeras devoções, mas pouca aproximação com o texto bíblico. Iniciam-se os movimentos de resgate das Sagradas Escrituras. Círculos bíblicos, leitura orante da Palavra, mês da Bíblia, cursos de teologia bíblica, impressão e distribuição da Palavra e muita motivação foram os meios de resgate da Palavra de Deus.
Não deixamos nossas devoções, que é um “thesaurus” de nossa espiritualidade. Mas nosso tesouro mais precioso é a Palavra de Deus. Descobrimos nas suas páginas o sentido para os sacramentos, a luz para nossa vida cristã e a força de nosso seguimento a Jesus Cristo. Sem a Palavra de Deus, a Igreja é como um aquário sem peixes. Afinal, a mesa da Palavra e a mesa do Altar são os dois pulmões que fazem a Igreja respirar, crescer e evangelizar os povos.
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