Nossa Senhora

Maria aos pés da cruz

"Jesus, então, vendo a sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis o teu filho!” Depois disse ao discípulo: 'Eis a tua mãe!' E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa" (Jo 19,26-27)

Escrito por Espiritualidade

02 AGO 2018 - 11H20 (Atualizada em 27 AGO 2021 - 09H59)

Rogier van der Weyden

Na cena de Caná, Maria participou na revelação da glória de seu Filho (cf. Jo 2,11), e aos pés da cruz, ela está presente na "hora" da elevação-glorificação dele, momento em que Jesus confia, ou melhor dizendo, entrega Maria, sua mãe, ao discípulo amado. Com isso João dá a entender que, por amor a Jesus, o discípulo é convidado a ter um lugar próprio para a mãe dele. Com a cena em Caná e aos pés da cruz, João teria fundamentado o culto marial na Igreja. 

"Jesus, então, vendo a sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis o teu filho!” Depois disse ao discípulo: 'Eis a tua mãe!' E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa" (Jo 19,26-27).

Este é um dos textos mais discutidos do Evangelho de João, tendo dado ocasião a teólogos católicos de verem em Maria a nova Eva, a medianeira de todas as graças, a co-redentora, etc. O sentido profundo desse texto é que Maria representa ao pé da cruz uma função simbólica diante do "discípulo" que Jesus amava, da mesma ordem como em Caná, onde ela pela sua atitude mostra que crê antes da realização do "sinal", simbolizando a fé perfeita da Igreja que convida os homens a se voltarem para o Cristo. Aos pés da cruz Maria convida igualmente a dirigirmos o nosso olhar para o seu Filho crucificado, pois ela sabe na sua fé, de maneira antecipada, o alcance decisivo desse gesto de seu Filho. O "discípulo amado" é aqui o tipo perfeito daquele que crê, e é a ele que Jesus confia sua mãe, ao mesmo tempo ele lha entrega como mãe. A maternidade da Igreja, representada assim em figura no momento em que tudo "está consumado" do 19,30b), é tema que se vê confirmado em outro lugar no Novo Testamento (cf. Gl 5,26).

A maternidade corporal de Maria, em relação ao Filho de Deus feito carne, funda uma maternidade espiritual que é realização em plenitude da primeira, resultante de vontade formal de Jesus: "eis teu filho... eis tua mãe!" O alcance inesgotável deste simbolismo liga intimamente o mistério da Igreja ao mistério de Maria tão bem que a reflexão teológica pode esclarecê-los um pelo outro.48 "A tese de fundo, aprofundada pelas contribuições atuais mais qualificadas sobre Jo 19,25-27, refere-se ao valor 'eclesial' do testamento de Jesus, expresso nas palavras: 'Eis o teu filho... Eis a tua mãe!' A vontade de Jesus não tem caráter meramente privado, familiar. Em outras palavras, ele não se preocupa apenas em dar abrigo e conforto à sua mãe, que ficará sozinha. Em suas palavras há muito mais do que isso. Elas revestem um alcance 'eclesial', no sentido que se referem a todos os discípulos, de quem o discípulo amado é figura. Este ato de Jesus sai da esfera privada e constitui um dos principais momentos de sua obra salvifica".

Com efeito, a exegese nos tem mostrado até hoje que em Jo 19,25-27 o "discípulo amado" representa o tipo do discípulo perfeito; o texto põe em evidência a virgindade perpétua de Maria; "exprime o desvelo filial de Jesus para com sua mãe, que ficará sozinha e necessitada de ajuda, apresenta Maria como símbolo da Igreja; proclama a maternidade espiritual de Maria". As palavras de Jesus à sua mãe e ao discípulo amado não têm pois significado simplesmente moral de ato de piedade filial. Se fosse somente ato de piedade filial, a questão que se colocaria é: por que Jesus ter-se-ia preocupado com o futuro pessoal de sua mãe somente no momento de sua morte?52 O caráter solene do pronunciamento das palavras de Jesus, na sua "hora", no momento culminante da redenção, no momento em que ele "derrama" o Espírito (cf. Jo 19,30c.34), primícias da redenção, tudo isso nos leva a supor intenção soteriológica nas palavras de Jesus: "Mulher, eis o teu filho!".

"Eis a tua mãe! Dizendo, "eis a tua mãe" ao "discípulo amado", modelo perfeito daquele que crê, Jesus quis oferecer um dom concreto de salvação, fruto da redenção (cf. Jo 19,28-30) que acaba de se consumar. Muito mais do que falar em ato co-redentor de Maria aos pés da cruz, poderse-ia dizer que ela é a primeira a se beneficiar em plenitude da redenção, e como a nova Eva, a "mulher" por excelência, totalmente salva, a "mãe dos viventes", é oferecida na fé à humanidade como graça personificada de Deus. Com efeito, foi dito acima, aceitar ou recusar esse dom de Deus não é indiferente, pois o fato de Jesus oferecer a "mulher" por excelência, o princípio feminino, totalmente redimido, deverá ter alcance soteriológico de extrema importância.

O estudo do arquétipo feminino e a necessidade de integração do feminino na psique nos mostrarão e nos abrirão o caminho para compreender a dimensão antropológica, e em conseqüência também a dimensão soteriológica, do fato de aceitar Maria, a "mulher" por excelência, o princípio feminino totalmente redimido, na nossa vida de fé, na nossa alma e na nossa psique, sem esquecer, é claro, toda a importância da presença de Maria na Igreja e na vida do Povo de Deus. É preciso que isso seja dito, para que não se entenda a redenção de maneira psicologizante. Mas uma coisa é certa e isso nos mostra a psicologia das profundezas, a saber, a necessidade da redenção do princípio feminino na psique humana. A evolução posterior do dogma mariano nos mostra a excelência desse dom oferecido por Jesus à humanidade.

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