Jesus indicou a todos os seus discípulos o itinerário da felicidade: Jesus é, pois, o caminho a seguir. Entretanto, são diversos os modos de seguir a Jesus. Alguns, abandonando tudo por seu amor, consagram-se ao seu serviço, mediante os três votos de pobreza, obediência e castidade; outros, porém, o seguem no mundo, sem abandonarem os próprios bens, sem se ligarem com voto de obediência a um superior, vivendo no matrimônio. O itinerário é diferente, porém, tanto uns como outros, com maior ou menor facilidade, com maior ou menor segurança, poderão alcançar a meta.
Esta diferença de itinerário é, sobretudo, material e exterior, mas na escolha de um itinerário pode haver outra diferença, essa interior e espiritual, que se chama precisamente espiritualidade.
Assim, há na Igreja de Cristo uma espiritualidade beneditina, uma espiritualidade dominicana, uma espiritualidade inaciana, uma espiritualidade franciscana, etc.; cada qual é boa e santa, tem as suas vantagens e produz os seus santos.
Uma espiritualidade não se distingue de outra em razão da doutrina fundamental, que é a mesma em todas: a doutrina de Cristo, a doutrina do Evangelho; no entanto, existe um modo típico e uma maneira particular de seguir a Cristo. Na identidade da doutrina pode haver uma variedade de interpretação, uma variedade de espírito; é isso que constitui a espiritualidade particular.
A espiritualidade franciscana terá, pois, muitos pontos comuns com as outras espiritualidades cristãs, pelo fato de todas professarem a mesma doutrina, mas distinguir-se-á das outras em razão de seu espírito, e da importância que atribui a este ou àquele ponto da mesma doutrina. Enquanto que as outras espiritualidades atribuem particular importância ao esforço pessoal para chegar à união com Deus, a espiritualidade franciscana busca, acima de tudo, aquela união com Deus no amor, e desta união tira toda sua atividade; enquanto que aquelas tendem primeiramente ao desenvolvimento das atividades e das possibilidades naturais, para chegar depois à perfeição sobrenatural, esta renuncia à natureza, logo de início, e entrega-se toda, inteiramente, à ação sobrenatural de Deus, sob a qual somente pretende agir e da qual somente espera toda perfeição natural e sobrenatural. E, assim, enquanto que as outras espiritualidades são principalmente ativas, a espiritualidade franciscana é caracteristicamente passiva, unicamente sobrenatural, fora de todo dualismo de vida natural e vida sobrenatural; a espiritualidade franciscana é mística, inteiramente e por princípio, quer dizer, sobrenatural, porquanto inteiramente por princípio pretende desenvolver-se pela ação sobrenatural ou mística do amor divino.
Por isso, enquanto as outras espiritualidades assentam na base do espírito espiritual a obediência, o silêncio, a especulação e o esforço pessoal, a espiritualidade franciscana fundamenta-se na pobreza, considerada em toda a sua profundidade mística de renúncia, desapego de tudo, desapego pessoal, a fim de que a alma, despojada completamente e aniquilada em Deus, permita que Deus venha viver e agir em si. Desta pobreza, procederá a obediência, pois a alma vazia de si mesma, já não tem vontade própria. A especulação, sendo atividade demasiado pessoal e humana, cederá ao amor que é dom de si mesmo; é passividade mística sob o império do Amado.
Ora, o Amado é Jesus que, pela espiritualidade franciscana concreta, constitui toda a perfeição: portanto, nada de virtudes abstratas a conquistar, uma após outra, com a meditação e a vontade própria: mas sim conquistar Jesus, concretização de toda virtude, amando-o, contemplando-o e imitando-o! Quer dizer: será perfeito quem se transformar no objeto amado, como exige a lei do amor. “O amor transforma o amante no Amado” (São Boaventura). “Pela força do amor, serás transformado naquilo que amares”, diz nosso Doutor Seráfico (Sermão da Vigília de Natal).
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