Em 1982, o Papa São João Paulo II declarou santo seu conterrâneo São Maximiliano Kolbe. Na celebração da Imaculada Conceição, em 8 de dezembro daquele ano, o Pontífice refletiu com os fieis na Basílica de Santa Maria Maior sobre a sua herança espiritual e como a Imacualda tornou-se o centro da vida e do trabalho de Kolbe.
Papa João Paulo II | Basílica de Santa Maria Maior | 8 de Dezembro de 1982
Enquanto estas palavras da saudação do Anjo ressoam suavemente na nossa alma, desejo dirigir o olhar, juntamente convosco, caros Irmãos e Irmãs, para o mistério da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria com a visão espiritual de São Maximiliano Kolbe. Ele uniu todas as obras da sua vida e da sua vocação à Imaculada. E por conseguinte este ano, em que foi elevado à glória dos Santos, ele tem muito a dizer-nos na Solenidade da Imaculada, da qual se aprouve definir devoto "militante".
O amor à Imaculada foi de fato o centro da sua vida espiritual, o fecundo princípio animador da sua atividade apostólica. O modelo sublime da Imaculada iluminou e guiou a sua existência inteira nos caminhos do mundo, e fez da sua morte heróica no campo de extermínio de Auschwitz esplêndido testemunho cristão e sacerdotal. Com a intuição do Santo e o esmero do teólogo, Maximiliano Kolbe meditou com perspicácia extraordinária o mistério da Imaculada Conceição de Maria à luz da Sagrada Escritura, do Magistério e da Liturgia da Igreja, lucrando admiráveis lições de vida. Ele apareceu no nosso tempo como profeta e apóstolo de uma nova "era mariana", destinada a fazer brilhar de luminosa luz, no mundo inteiro, Jesus Cristo e o seu Evangelho.
Esta missão que ele desempenhou com ardor e dedicação, "classifica-o — como afirmou Paulo VI na Homilia para a sua beatificação — entre os grandes Santos e os espíritos penetrantes que compreenderam, veneraram e cantaram o mistério de Maria" (Insegnamenti di Paolo VI, IX, 1971, p. 909). Embora consciente da profundidade inexaurível do mistério da Conceição Imaculada, para o qual "não há palavras humanas capazes de exprimir Aquela que se tornou verdadeira Mãe de Deus" (Gli scritti di Massimiliano Kolbe, eroe di Oswiecjm e Beato della Chiesa, Voll. 3, Edizioni Città di Vita, Firenze, 1975, v. III, p. 690), o seu maior pesar era que a Imaculada não fosse suficientemente conhecida e amada à imitação de Jesus Cristo e como nos ensina a Tradição da Igreja e o exemplo dos Santos. Amando Maria, de facto, nós honramos a Deus que a elevou à dignidade de Mãe do próprio Filho feito Homem e unimo-nos a Jesus Cristo que a amou como Mãe; não a amaremos nunca como Ele a amou: "Jesus foi o primeiro à honrá-la como sua Mãe e nós devemos imitá-lo também nisto. Não conseguiremos nunca igualar o amor com que Jesus a amou" (ibid. v. II, p. 351). O amor a Maria, afirma o Padre Maximiliano, é o caminho mais simples e mais fácil para nos santificarmos, realizando a nossa vocação cristã. O amor de que ele fala não é de certo sentimentalismo superficial, mas é empenho generoso, é doação de toda a pessoa, como ele mesmo nos demonstrou com a sua vida de fidelidade evangélica até à sua morte heróica.
A atenção de São Maximiliano Kolbe concentrou-se incessantemente sobre a Imaculada Conceição de Maria para poder entender a riqueza maravilhosa encerrada no Nome que Ela mesma manifestou e que constitui a explicação do que nos ensina o Evangelho de hoje com as palavras do Anjo Gabriel: "Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo" (Lc 1, 28). Referindo-se às aparições de Lourdes — que para ele foram estímulo e incentivo para compreender melhor as fontes da Revelação — observa: "A Santa Bernadette, que diversas vezes a interrogava, a Virgem responde: 'Eu sou a Imaculada Conceição'. Com estas palavras Ela manifestou claramente não só ser concebida sem pecado, mas ser até a mesma 'Conceição Imaculada', tal como uma coisa é um objecto branco e outra coisa a brancura; uma coisa é ser perfeito e outra coisa a perfeição" (ibid. v. III, p. 516). Imaculada Conceição é o Nome que revela com precisão quem é Maria: não afirma apenas uma qualidade, mas delineia exatamente a Sua Pessoa: Maria é santa na profundeza da totalidade da sua existência, desde o princípio.
A excelsa grandeza sobrenatural foi concedida a Maria em ordem a Jesus Cristo; é nele e mediante Ele que Deus lhe comunicou a plenitude de santidade: Maria é Imaculada porque Mãe de Deus e tornou-se Mãe de Deus porque Imaculada, afirma incisivamente Maximiliano Kolbe. A Conceição Imaculada de Maria manifesta de modo único e sublime a centralidade absoluta e a função salvífica universal de Jesus Cristo. "Da maternidade divina provêm todas as graças concedidas à santíssima Virgem Maria e a primeira é a Imaculada Conceição" (ibid. v. III, p. 475). Por este motivo, Maria não é simplesmente como Eva antes do pecado, mas foi enriquecida com uma plenitude de graça incomparável porque Mãe de Cristo, e a Conceição Imaculada foi o inicio de uma prodigiosa expansão ininterrupta da sua vida sobrenatural.
O mistério da santidade de Maria deve ser contemplado na globalidade da ordem divina da salvação, para ser entendido de modo harmônico e a fim de não parecer privilégio que a separa da Igreja, que é o Corpo de Cristo. O Padre Maximiliano tem o máximo cuidado em ligar a Conceição Imaculada de Maria e a sua função, no plano da salvação, ao mistério da Trindade, e de modo muito especial com a Pessoa do Espírito Santo. Com genial profundidade desenvolveu os multíplices aspectos contidos na noção de "Esposa do Espírito Santo", bem conhecida na tradição patrística e teológica e sugerida pelo Novo Testamento: "O Espírito Santo virá sobre ti, e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar-se Filho de Deus" (Lc 1, 35). É uma analogia, salienta São Maximiliano Kolbe, que faz entrever a união inefável, íntima e fecunda entre o Espírito Santo e Maria. "O Espírito Santo estabeleceu a própria morada em Maria desde o primeiro instante da existência dela, tomou posse total dela e compenetrou-a de tal modo que o nome de Esposa do Espírito Santo não exprime senão uma sombra distante, pálida e imperfeita de tal união" (ibid. v. III, p. 515).
Perscrutando com admiração estática o plano divino da salvação, que tem a sua origem no Pai que livremente quis comunicar às criaturas a vida divina de Jesus Cristo, e que se manifesta em Maria Imaculada de modo maravilhoso, o Padre Kolbe fascinado e arrebatado exclama: "Em toda a parte está o amor" (ibid. v. III, p. 690); o amor gratuito de Deus é a resposta a todas as interrogações; "Deus é amor" afirma São João (1 Jo 4, 8). Tudo o que existe é reflexo do livre amor de Deus, e por isso toda a criatura mostra, de algum modo, o esplendor infinito do mesmo. De maneira particular o amor é o centro e o vértice da pessoa humana, feita à imagem e semelhança de Deus. Maria Imaculada, a mais excelsa e perfeita das pessoas humanas, reproduz de modo eminente a imagem de Deus e, portanto, tornou-se capaz de O amar com intensidade incomparável como Imaculada, sem desvios ou adiamentos. É a única escrava do Senhor (cf. Lc 1, 38) que mediante o seu fiat livre e pessoal responde ao amor de Deus fazendo sempre o que Ele ordena. Como a de todas as outras criaturas, a sua não é resposta autônoma; mas é graça e dom de Deus; em tal resposta está envolvida toda a sua liberdade, a liberdade de Imaculada. "Na união do Espírito Santo com Maria, o amor não une apenas estas duas Pessoas, mas o primeiro amor é todo o amor da Santíssima Trindade, enquanto o segundo, o de Maria, é todo o amor da criação e assim, em tal união, o Céu une-se à terra, todo o Amor incriado com o amor criado... É o vértice do amor" (ibid. v. III, p. 758).
A circulação do amor, que tem origem no Pai, e que na resposta de Maria volta à sua fonte, é um aspecto característico e fundamental do pensamento mariano do Padre Kolbe. É, este, um princípio que está na base da sua antropologia cristã, da visão da história e da vida espiritual de cada homem. Maria Imaculada é arquétipo e plenitude de todo o amor de criatura; o seu amor límpido e intensíssimo para com Deus encerra na sua perfeição o amor frágil e maculado das outras criaturas. A resposta de Maria é a da humanidade inteira.
Tudo isto não ofusca, nem diminui a centralidade absoluta de Jesus Cristo na ordem da salvação, mas ilumina-a e proclama-a com vigor, porque Maria obtém d "Ele toda a sua grandeza. Como ensina a história da Igreja, a função de Maria é a de fazer resplandecer o próprio Filho, conduzir a Ele e ajudar a acolhê-lo.
O continuo aprofundamento teológico do mistério de Maria Imaculada torna-se para Maximiliano Kolbe fonte e motivo de doação ilimitada e de dinamismo extraordinário; ele soube deveras incorporar a verdade na vida, também porque alcançou o conhecimento de Maria, como todos os Santos, não só mediante a reflexão guiada pela fé, mas de modo especial mediante a oração: "Quem não é capaz de dobrar os joelhos e de implorar de Maria, em humilde oração, a graça de conhecer quem ela é realmente, não espere aprender mais nada sobre ela" (ibid. v. III, p. 474).
E agora, acolhendo esta exortação final do heróico filho da Polónia e autêntico mensageiro do culto mariano, nós, recolhidos nesta esplêndida Basílica para a oração eucarística em honra da Imaculada Conceição, dobraremos os nossos joelhos diante da sua imagem e repetir-Lhe-emos, com aquele ardor e piedade filial que tanto distinguiram São Maximiliano, as palavras do Anjo: "Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo". Amém.
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