O aumento do feminicídio e das concessões das medidas protetivas são fortes indicadores de subnotificação dos casos de violência contra as mulheres, além do próprio fenômeno da violência doméstica. Pesquisadoras da Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrantes da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC) explicam que esses dados mostram a importância dos serviços de proteção à mulher, que foram descontinuados com a pandemia e poderiam interromper o ciclo da violência.
“Se a mulher não consegue relatar e obter respostas no primeiro ciclo da violência, nos primeiros níveis desse ciclo, a gente sabe que os quadros obviamente se agravam para feminicídio, que é o ponto final desse círculo”, disse a professora Alessandra Teixeira. De acordo com as pesquisadoras, em artigo divulgado pela Agência Bori, houve aumento de 1,9% dos feminicídios e de medidas protetivas em muitas delegacias e a diminuição de 9,9% de registros policiais de casos de violência contra a mulher, em relação a 2019.
Em São Paulo, de janeiro a abril de 2019, foram registrados 55 casos de feminicídio no estado. No mesmo período de 2020, foram 71 registros. Em 2021, foram 53 assassinatos de mulheres em razão do gênero, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Em relação às medidas protetivas, foram mais quase 47 mil em 2019 e mais de 52 mil registros em 2020. Nos primeiros quatro meses de 2021, o total já ultrapassa 21 mil, a tendência, portanto, é de crescimento para este ano.
O aumento do desemprego com a crise econômica, o maior peso para as mulheres na divisão sexual do trabalho, o fechamento das escolas e o acesso a outras vivências são algumas das questões que impactam a dinâmica de vida das mulheres na pandemia e acabam por afastá-las das redes de proteção. “Já era deficitário e a pandemia provoca uma crise, um déficit ainda maior, aliado ao problema econômico. Com isso a gente vai ter, sem dúvida, um exacerbamento desse quadro [de violência]”, aponta Alessandra.
Carolina Gabas, também professora da UFABC, ressalta que a medida protetiva é fundamental, mas não garante que se está dando às mulheres a assistência integral necessária. “A medida [protetiva] não é a única oferta que tem que está ali. A mulher tem que ter os cuidados de saúde para a sua integridade física, às vezes precisa ver a situação das crianças, às vezes precisa do acolhimento sigiloso, às vezes precisa monitorar, por exemplo, uma medida que retire do agressor algum tipo de arma que ele porte”, exemplifica.
Ela destaca a necessidade de que as instituições atuem em rede para promover esse atendimento. “A gente diz que é o trabalho em rede, que envolve o sistema de Justiça, vários setores, uma política intersetorial também, no Poder Executivo e é muito importante que isso esteja articulado com os movimentos sociais”, propõe. A pesquisadora destaca que as ações nos territórios devem contar com o apoio do movimento de mulheres e outras organizações que conseguem alcançar essas questões de forma mais efetiva.
Carolina destaca ainda a necessidade de investimentos e a especialização do atendimento. Ela explica que não se trata necessariamente de um equipamento específico, mas de capacitações para que estruturas como os centros de referência em assistência social e mesmo delegacias possam atender essas mulheres sem que se criem novas vitimizações.
“É o investimento para as redes de serviços que já existem e estar muito atenta a esse aumento da violência, especialmente no contexto de pandemia. E, obviamente, o tipo de financiamento também. O financiamento não é só de campanhas, é um financiamento de atendimento, de você prestar esse serviço a essas mulheres”, defende.
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