O testamento de Papa Francisco, uma revolução de simplicidade

Em seu testamento o Papa Francisco definiu o lugar de seu sepultamento: uma igreja dedicada a Nossa Senhora. As indicações do Papa podem parecer um enigma, mas revelam a espiritualidade do pontífice

Em outubro de 2022 o Papa Francisco tinha 85 anos e já antevia o fim de sua vida. Escreveu um testamento no qual designava o lugar de sua sepultura. “O túmulo deve ser no chão; simples, sem decoração especial e com uma única inscrição: Franciscus”, definiu o Papa.

A simplicidade da lápide tem por trás coisas profundas e complexas. O Papa escolheu a Basílica Papal de Santa Maria Maior, em Roma, para que “restos mortais repousem, esperando o dia da ressurreição”, conforme escreveu.

A Basílica de Santa Maria Maior é uma das quatro basílicas papais em Roma. Ela se ergue, desde o século IV, sobre o Monte Esquilino, a mais alta das sete colinas da Cidade Eterna, onde antes havia um templo dedicado a Minerva.

Nesta monumental basílica está o quadro de Maria com o filho Jesus no colo que é chamada de “Salus Populi Romani”, em latim, que quer dizer Protetora do Povo Romano. Se tem notícia que para demonstrar seu favor, a Virgem Maria teria demarcado com neve o lugar onde seria construída a Igreja. O fato é que Maria é a protetora do povo romano e também do pontífice, pois Francisco se dirigia a esta igreja para rezar antes e depois de cada uma das 47 viagens realizadas ao longo desses 12 anos.

O ponto de referência espiritual para as idas e vindas do Papa Francisco, será também o ponto de referência da sua memória. O Papa manifestou o desejo de que sua “última viagem terrena” passe pelo itinerário de todas as outras.

O testamento espiritual do Papa Francisco indica que o lugar da sepultura deve ser um nicho no corredor lateral. O lugar era usado como uma espécie de depósito, não um armário qualquer, pois guardava preciosos castiçais, mas não é uma das seis capelas que embelezam a basílica. O Papa indicou que seu “corredor” fica entre a Capela Paulina, onde está o quadro de Nossa Senhora entre preciosas artes em pedra; e a esplendida Capela Sforza que abriga o mausoléu dos cardeais Guido e Alessandro Sforza, e que foi projetada por Michelangelo.

O Papa não quis usar do espaço dedicado à mãe de Deus, nem o da tradicional família Sforza. Criou um novo espaço. Uma curiosidade é que o Papa Francisco não quis que os custos de seu túmulo fossem cobertos pelo Vaticano. Um benfeitor anônimo vai cobrir as despesas, conforme o Papa combinou com o Cardeal Rolandas Makrickas, que dirige a Basílica. Jesus contou também com benfeitores anônimos, homens e mulheres, conforme relatam os Evangelhos. O fato é que esse benfeitor dispõe de recursos, um empresário que dispende dinheiro sem publicidade, talvez. Se o Papa João Paulo II ao partir deixou o mistério do cardeal In pectore não revelado, o Papa Francisco deixa esse misterioso benfeitor de sua sepultura como mistério.

O último papa a ser sepultado fora do Vaticano foi Leão XIII, que optou pela basílica de São João de Latrão, num período em que a questão romana ainda não estava definida. O Papa Pio IX foi sepultado no Vaticano, mas, para cumprir seu desejo, foi levado para a Igreja de São Lourenço, fora da cidade. Seu cortejo sofreu um ataque de rivais da Igreja que ameaçavam jogar o féretro no rio. O Papa João Paulo II pretendia ser sepultado no Castelo Wawel, em Cracóvia, onde os ilustres poloneses são enterrados, contudo, com o tempo mudou seu último desejo. O translado de Francisco, não tem questões políticas por trás, certamente são questões espirituais muito fortes.

Curiosamente a Basílica de Santa Maria Maior é adornada com ouro proveniente da primeira remessa da América, um presente da rainha Isabel da Espanha. Agora, adorna esse templo a memória da vida e obras do primeiro papa latino americano.