Por Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá, no Amapá
Um homem estava parado ao lado de um poço e olhava para o fundo. Uma criança se aproximou e disse: "O que tem aí dentro?". "O amor", respondeu o homem, sem deixar de olhar para o fundo do poço, mas com um sorriso no rosto por ter provocado a curiosidade do garoto. "O amor está escondido aí dentro?", perguntou o menino. "Sim", retrucou o homem. "Deixa eu ver?", gritou o menino. O homem virou-se para a criança, olhou-a com ternura e levantou-a até o ponto em que ela conseguisse ver o fundo do poço. Segurou o menino por alguns minutos, já prevendo a sua reação. "Mas este sou eu", disse a criança, confusa. "Isso mesmo", respondeu o homem, "Agora tu sabes onde o amor está escondido", afirmou.
O que tem a ver esta velha estorinha com a maravilhosa página dos discípulos de Emaús que encontramos neste Terceiro Domingo de Páscoa? Talvez nada, mas para mim pode nos ajudar a entender muito daquilo que eles experimentaram não tanto exteriormente, quanto interiormente, nas mentes e nos corações. Afinal, naquele diálogo, Jesus os ajuda a compreender o que aconteceu e acreditar naquilo que virá depois.
O evangelista Lucas nos apresenta uma bela "liturgia", única em si, mas ao mesmo tempo acessível, também se diferente, aos cristãos do tempo em que ele escreveu o Evangelho e hoje para todos nós.
Não posso entrar em muitos detalhes, mas convido a pensar nas nossas missas e acompanhar o desenvolvimento do encontro. Os dois discípulos estão desanimados. As coisas não funcionaram – e não funcionam mesmo – como eles planejaram e nem como nós gostaríamos: tudo fácil, sem dificuldades, sem cruz. Então, valeu a pena acreditar no "profeta" de Nazaré? Jesus, o peregrino que compareceu de repente, faz perguntas e os deixa desabafar para que sejam eles a dizer o que passa em seus ânimos. Depois, Ele toma a iniciativa, os chama de "sem inteligência e lentos para crer" (Lc 24,25) e começa a explicar-lhes as Escrituras. Agora tudo muda, são eles a escutar. As palavras daquele, ainda desconhecido, já conseguem fazer "arder" os seus corações, como dirão depois.
Assim aconteceria se lêssemos a Palavra de Deus do jeito como ela deveria ser escutada: como uma "lâmpada" para o nosso caminhar (Sl 119,105).
O interesse é tão grande que os dois pedem ao estranho peregrino que fique com eles. Ele aceita o convite. "Entra", não sabemos onde, e eis os três sentados a uma mesa com um pão que Ele abençoa, parte e o distribui. São os gestos da Eucaristia, os mesmos que Jesus tinha mandado repetir "em memória" dele. Aí está o sinal inconfundível e inequivocável da presença de alguém único e especial: o Senhor!
Finalmente eles o reconhecem: é Jesus. Mais tarde, ao contar o acontecido aos outros discípulos, não dirão que o viram, mas que o reconheceram "ao partir o pão". Agora sabem quem é o peregrino que os tinha acompanhado. Ele desaparece "da frente deles", mas já não têm mais dúvidas e nem medo, sabem que Jesus está vivo e presente. Voltam para Jerusalém, onde o Mestre tinha sido crucificado, Ele venceu a morte.
Chegamos ao final daquela liturgia e de todas as liturgias: temos dois discípulos - a comunidade - a Palavra e a Eucaristia, basta olhar com os olhos da fé para "reconhecer" o Senhor, cada vez, "ao partir o pão".Leia MaisDiplomata é um colecionador de diplomas?Vida que se faz dom nunca é fracassadaNenhum ser humano jamais pode ser incompatível com a vida
Ainda há quem pense que foi a Igreja a inventar a missa; não, ela vem de longe, do início. Cabe a nós hoje "reconhecer" o Senhor e ajudar outros a encontrá-lo nas palavras e nos gestos que Ele mesmo nos deixou. O que falta para que isso aconteça nas nossas Liturgias?
Já falei da Fé. Agora vou lembrar a Esperança, porque a comunidade reunida é o sinal da "nova" humanidade que, aos poucos, deve acontecer. Sem mais divisões, intrigas e disputas. Sem mais necessitados e excluídos. Um só coração e uma só alma. Somente Amor, generosidade, compaixão e misericórdia. Uma comunidade, grande ou pequena, germe e sinal do Reino que Jesus veio iniciar e que um dia chegará à plenitude. Quando nos encontramos, deveríamos descobrir sempre onde o amor está escondido, para que não fique mais assim, mas saibamos espalhá-lo pelo mundo a fora, na vida. É missão de cada um, porque o amor tem o nosso rosto, as nossas mãos...
Confira também a reflexão de Dom Nelson Westrupp, Bispo Emérito de Santo André, em São Paulo, sobre a Liturgia deste domingo, 26 de abril, Terceiro Domingo da Páscoa:
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